quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Audiência Publica debate sobre a luta das mulheres negras do Maranhão contra o racismo e a violência   

Agencia Assembleia 

Em comemoração à Semana da Consciência Negra, a Assembleia realizou, na tarde desta quarta-feira (23), no Plenarinho, audiência pública para discutir o tema Mulheres Negras do Maranhão em Marcha contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver. A iniciativa partiu do Grupo de Mulheres Negras “Mãe Andresa” em parceria com outras organizações do Movimento Negro do Maranhão, apoiada e coordenada pelos deputados Bira do Pindaré (PSB) e Cabo Campos (DEM).
Um momento artístico cultural apresentado pelas cantoras negras maranhenses Gisele Pacheco, Andrea Frazão, Célia Sampaio e o percussionista negro Kadu Galvão, marcou simbolicamente a abertura da audiência pública. “Esta audiência pública tem como propósito proporcionar uma ampla discussão sobre a situação vivida pelas mulheres negras do Maranhão e contribuir com a formulação de políticas públicas que contemplem ações afirmativas que correspondam aos anseios desse importante segmento da sociedade”,afirmou Bira do Pindaré.
O evento é desdobramento da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver, realizada em 2015, em Brasília, que contou com a participação de 50 mil mulheres de todo o Brasil. Esse movimento lançou dois documentos intitulados Novo Pacto Civilizatório e Carta das Mulheres Negras, que retratam e denunciam a situação em que se encontram as mulheres negras brasileiras.
Por sua vez, é também desdobramento do III Encontro de Mulheres Negras do Maranhão, realizado em fevereiro deste ano, que contou com a participação de representantes de vários municípios e regiões do Estado. “Estamos finalizando a Carta das Mulheres Negras do Maranhão, cujo conteúdo foi amplamente discutido nesse encontro”, revelou Cecília Ruth Batista da Silva, coordenadora adjunta do Grupo de Mulheres “Mãe Andresa”.
A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES NEGRAS
O debate teve como referência o relatório denominado A Situação dos Direitos Humanos das Mulheres Negras no Brasil – Violência e Violações, produzido pelo Geladés, Instituto de Mulheres Negras e Criola, Organização de Mulheres Negras do Brasil.  O documento compila dados nacionais do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Disck 100, no período de 2003 a 2013, e apresenta casos de racismo e violência contra as mulheres negras no Brasil.
“A questão do racismo e da violência contra as mulheres negras é um fenômeno complexo, com dimensão cultural, ideológica, política e econômica que atingem as sociedades, enraizando-se em seus modos de organização e de relação sociais. O Brasil tem 59 milhões de mulheres negras, que correspondem a 52% da população feminina e a 28% da população brasileira, distribuídas, proporcionalmente, 75% no Norte e 71% no Nordeste. Em termos econômicos, 70% em situação de pobreza, 54% das famílias chefiadas por mulheres negras, 63% ocupadas no trabalho doméstico e 27% no mercado informal”, afirma o documento.
A assistente social Sílvia Leite apresentou um quadro síntese da legislação que ao longo do tempo buscou regular a trajetória histórica da luta das mulheres negras brasileiras. “Temos que construir processos que deem respostas. Precisamos mudar o que está aí a partir de um recorte de gênero. As respostas são dadas quando se quer”, argumentou.
“Esse documento é um retrato em preto e branco, sem retoque da violência contra as mulheres negras brasileiras. Ele nos faz desassossegar, fazer pensar e agir”, resumiu Cecília Batista.
FEMINICÍDIO
“As mortes de mulheres por razões de gênero são fenômeno global. Muitas dessas mortes ocorrem com a tolerância das sociedades e governos, encobertas por costumes e tradições, revestidas de naturalidade, justificadas como práticas pedagógicas, seja no exercício de direito tradicional – que atribui aos homens a punição das mulheres da família – seja na forma de tratar as mulheres como objeto sexuais descartáveis”, denuncia e conceitua o relatório ONU MULHERES, 2012, o que seja feminicídio.
Para coibir esses crimes, no Brasil, a ex-presidente Dilma Roussef (PT) sancionou a Lei nº 13.104/2015, que altera o Código Penal (art.121), incluindo o feminicídio como uma modalidade de homicídio qualificado, entrando no rol dos crimes hediondos. “Nos últimos dez anos, foi registrado um crescimento de 54% de crimes de feminicídio de mulheres negras e a diminuição em 10% de mulheres brancas”, denuncia o documento A Situação dos Direitos Humanos das Mulheres Negras no Brasil.
CASO MARANHENSE
O assassinato da mulher negra Francisca das Chagas Silva, 34 anos, dirigente sindical e ativista do Movimento de Trabalhadoras Rurais, na comunidade Joaquim Maria, no município de Miranda do Norte, em 01 de fevereiro deste ano, encontrada morta e despida numa poça de lama com marcas de violência, ganhou repercussão internacional. “Por conta desse bárbaro crime veio ao Brasil, este ano, uma missão da Organização das Nações Unidas (ONU) para cobrar esclarecimentos sobre o respeito aos direitos humanos em nosso País”, revelou Cecília Batista.
DEBATE
Anunciação Azevedo, de Paço do Lumiar, denunciou a violência causada pela falta de moradia. “Em Paço do Lumiar, 70% das famílias moram em ocupação. Temos 44 comunidades em situação de litígio e um alto índice de mulheres estupradas e violentadas, e a maioria é negra. Por que a Justiça demora tanto a agir”, disse.
Antonia Ferreira Lima, do Movimento de Mulheres Negras de Pedreiras, relatou casos de sequestros seguidos de assassinatos de mulheres negras ocorridos naquele município. “Este ano tivemos quatro casos absurdos. Precisamos trabalhar na base, na educação, para reverter essa dramática realidade apresentada pelo dossiê”, assinalou.
“Temos que dizer não a cultura do estupro. Nós fazemos parte do processo de identidade nacional. O modelo de branquitude adotado neste País não nos visualiza. Não podemos mais admitir esse modelo”, defendeu Lúcia Gato, presidente do Conselho Estadual da Mulher.
A secretária de Estado da Mulher, Laurinda Pinto, afirmou que o fenômeno do feminicídio tem como base as relações de poder e a ambiência familiar presentes na sociedade brasileira. “Temos que construir processos sólidos que deem respostas às práticas de racismo e de violência contra as mulheres negras”, argumentou.
Para a defensora pública Lindevania de Jesus Silva é preciso elaborar propostas de ações afirmativas para enfrentar a situação de preconceito presente no seio da sociedade brasileira. “Há quem lucre com o racismo. O capitalismo lucra. Temos uma dívida impagável para com o povo negro”, salientou.
ENCAMINHAMENTOS
Foram aprovados os seguintes encaminhamentos:
  1. Criação de delegacias especializadas em crime contra o racismo;
  2. Elaboração pela Secretaria da Mulher em parceria com o Movimento Negro do Dossiê das Mulheres Negras do Maranhão;
  3. Articular visitas dos grupos de mulheres negras e do Conselho Estadual da Mulher ao Instituto Florence;
  4. Conceder incentivos fiscais para empresas do Estado do Maranhão que promovam homens e mulheres negras;
AVALIAÇÃO
“Discussões como essa engrandecem nossa ação enquanto parlamentares. Essa luta não começa e não termina agora e é muito incompreendida. Vemos reações de muita intolerância e por isso mesmo nosso ativismo deve ser maior. Hoje demos um grande passo na direção do enfrentamento que precisamos fazer”, comentou.
Para o deputado Cabo Campos foi um momento também de prestar contas das ações desenvolvidas em favor do Movimento Negro como, por exemplo, a criação do Dia do Negro Cosme, 17 de setembro, proposição de sua autoria. “Sou um igual a vocês. Sinto-me em casa e ao mesmo tempo apreensivo nessa discussão. Os desafios são muitos. Muito já avançamos, mas ainda temos muito o que avançar. Podem contar comigo e meu irmão Bira. Vamos vencer. Nós somos fortes. Vamos vencer!”, afirmou.