Ponto de Vista: Julien Blanc é só batalha em guerra contra cultura do estupro no Brasil 
Milhares celebraram a decisão do 
Itamaraty de proibir a entrada do “artista da pegação”, Julien Blanc, no
 Brasil. Derrotar Julien Blanc e seu curso de “xaveco forçado” é, na 
verdade, vencer uma batalha contra a cultura do estupro. Uma batalha que
 é de homens e mulheres, de todos os brasileiros.
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| Nana Queiroz é fundadora da campanha Não mereço ser estuprada, hit nas redes neste inicio de ano. | 
 É exagero falar em uma cultura do 
estupro? Absolutamente não. A cultura do estupro é o que permite que 
agressores se sintam bem ao assediar ou estuprar mulheres e que 64% das 
vítimas tenham vergonha de denunciar. No ano passado, cerca de 50 mil 
casos de estupro foram registrados oficialmente no Brasil. Mas o 
verdadeiro total de casos pode ter chegado a 143 mil, estimou uma 
pesquisa. São quase cem mil casos não denunciados. Por quê?
A cultura do estupro culpa a vítima 
pelas roupas que veste, defende o violador dizendo que ele foi provocado
 e dá autorização para encoxamentos públicos. E permite algumas das 
técnicas que Blanc ensina a seus discípulos, como empurrar a cabeça de 
mulheres à força contra o pênis, destruir sua autoestima ou agarrá-las 
pelo pescoço em bares e baladas.
Julien Blanc é um guru da cultura do 
sexo a qualquer preço e da ideia de que mulheres são presas numa caçada.
 Esse tipo de pensamento é o que leva a 80% dos casos de estupro. 
Instituições internacionais de assitência às vítimas afirmam que, na 
maioria dos casos, elas conhecem o agressor. Não são estupros em becos 
escuros, mas meninas drogadas ou embebedadas em uma festa, um amasso que
 ultrapassa os limites, um ex-namorado ciumento que vem provar que ela 
ainda é propriedade dele.
Obviamente, este não é tipo de paquera 
que faz mulheres felizes. Mas também não faz homens felizes. Conexões 
reais, sejam elas emocionais ou sexuais apenas, são o que satisfazem 
realmente o ser humano em todo seu potencial.
Os mais de 380 mil brasileiros, homens e
 mulheres, que assinaram a petição da Avaaz contra Julien Blanc 
acreditam nisso com paixão. O Itamaraty atendeu suas exigências em 
poucos dias. A mesma tenacidade guiou cidadãos na Austrália, os 
primeiros a banir Blanc de seu território, e mobiliza agora mulheres no 
Canadá e na Grã-Bretanha. Isso nos dá um banho de esperança. A cultura 
do estupro é mundialmente rejeitada pelos cidadãos – agora precisamos 
fazer com que as leis sigam esse sinal dado pelas sociedades.
Aqui no Brasil, um bom começo é aprovar 
um projeto de lei, de autoria do deputado Romário, que criminaliza 
práticas como o encoxamento em transporte público e o tipo de abordagem 
violenta pregada por Blanc. É preciso que entendamos, enquanto 
sociedade, que o estupro começa muito antes da conjunção carnal – e que 
esses primeiros passos também são criminosos e não serão tolerados.
Nós precisamos disso. Basta lembrar que 1
 em cada 4 brasileiros respondeu ao IPEA, ainda neste ano, que mulheres 
que mostram muito o corpo merecem ser atacadas. E que quando eu e 
milhares de mulheres fizemos o protesto virtual “Eu Não Mereço Ser 
Estuprada” para nos manifestar contra essa cultura, fomos ameaçadas de 
agressão sexual e física.
Enfim, este não é um artigo de ódio a 
Julien Blanc ou um lamento pela sociedade que temos, mas uma mensagem de
 amor a todas as pessoas que se uniram para dizer um basta a essa 
cultura destrutiva. Uma mensagem de esperança a todos que, como eu e 
meus colegas, acreditam que a paquera de verdade começa com conexões 
reais.
Nana Queiroz
especial para BBC Brasil  





