Michel Temer é retratado como "vampiro" neoliberal na Sapucaí; imagem constrange apresentadores da Globo
Congresso em Foco – O tom de contestação que marca o carnaval na Marquês da Sapucaí, com críticas especialmente lançadas ao prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, não poupou Michel Temer, o primeiro presidente da República investigado por suspeita de crime no exercício do mandato em toda a história do Brasil. E a tarefa de criticá-lo coube à escola de samba Paraíso da Tuiuti, estreante no grupo de elite dos desfiles. Retratado como um vampiro “vampiro neoliberalista”, a imagem de Temer como patrocinador de políticas que favorecem o mercado financeiro constrangeu apresentadores da TV Globo (veja o vídeo e leia mais abaixo), que tem exclusividade na transmissão do show.
A escola adentrou a avenida neste domingo (11) e, em sua primeira participação junto com gigantes como Mangueira, Portela e Beija-Flor, trouxe ao grande público um forte discurso contra mazelas políticas e sociais. Com o samba “Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?”, a agremiação soltou o grito contra o racismo renitente na sociedade brasileira, com suas variadas formas de “escravidão” social – entre elas, as relações trabalhistas recentemente modificadas pelo governo Temer, com o auxílio providencial do Congresso.
No encerramento do desfile, a Tuiuti destacou no alto de um carro um homem de terno e cabelos grisalhos portando a faixa presidencial. Com a denominação de “vampiro neoliberalista”, a alegoria fez uma clara alusão a Temer, em um carro onde viam “paneleiros” com camisas da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A crítica foi mais longe: a ala intitulada “Manifestoches” exibiu passistas fantasiados de patos amarelos, numa analogia aos protestos de rua que ganharam corpo em 2016 e, simbolizados com o pato amarelo gigante concebido pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), contribuíram para o impeachment de Dilma Rousseff.
Na referência mais clara ao neoliberalismo posto em campo pelo governo Temer, outra ala retratou o trabalho informal, em referência à reforma trabalhista que alterou, no ano passado, diversos pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – e, segundo críticos das mudanças, precarizaram as condições do trabalhador e desequilibraram, em favor dos patrões, a relação entre empregadores e empregados. Como este site mostrou à época da aprovação final da matéria, no Senado, 74% dos senadores que votaram a favor das alterações na legislação são empresários.
Nenhum dos apresentadores da TV Globo mencionou o nome de Temer diante da aparição da fantasia trajada pelo chefe do atelier da Tuiuti, Leo Morais. Do camarote onde são narrados os desfile e, ao final de cada um deles, entrevistadas personalidades, sambistas e carnavalescos, a jornalista Fátima Bernardes se limitou a dizer que a ala representava “o regime de exploração nos mais diversos níveis”. Antes, o apresentador Alex Escobar e o carnavalesco Milton Cunha manifestaram parcimônia ao comentar a crítica clara ao presidente.
O vampirão…”, sintetizou Milton, levando Escobar a uma risada contida. Em seguida, o protagonista do quadro de esportes “Cafezinho com Escobar” limitou-se a descrever o óbvio: “Tá com a faixa de presidente esse vampiro aí”…
Seguindo o roteiro, o camarote da Globo recebeu para a descontraída entrevista alguns integrantes da Tuiuti. No entanto, o Temer como vampiro neoliberal, os “manifestoches” ou os paneleiros não foram mencionados na ocasião.
Resistência popular
O carnaval deste ano se transformou em uma manifestação de resistência de sambistas e demais foliões contra a postura do prefeito evangélico, um dos líderes da Igreja Universal do Reino de Deus. Devido à sua orientação religiosa, Crivella cortou verbas de patrocínio da prefeitura, uma tradição no carnaval carioca, para as escolas de samba, bem como tem recusado participar de rituais como a entrega da chave da cidade do Rio de Janeiro para o Rei Momo.
A insatisfação do povo foi imediata e se reproduz não só no ambiente organizado da Sapucaí, mas principalmente no campo livre das ruas, com os mais 600 blocos de bairro representando a verdadeira festa da democracia. Além da Tuiuti, com artilharia apontada ao presidente, a Estação Primeira de Mangueira levou a um dos carros alegóricos a figura de Crivella como um judas, no enredo “Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco”.
Em uma faixa fixada no mesmo palco em que o prefeito foi criticado, no penúltimo carro do desfile. leu-se a frase: “Prefeito, pecado é não brincar o carnaval”! Encerrado o desfile, o presidente da escola de samba, Chiquinho da Mangueira, resumiu o mote concebido pelo carnavalesco Leandro Vieira e levado à avenida pela comunidade: “Foi a resposta para ele repensar o que fez com o carnaval. Cometeu a maior injustiça com a maior festa popular do mundo, que é o carnaval. A Mangueira se propôs a se rebelar contra isso tudo”.