domingo, 22 de novembro de 2020

 A causa negra também e minha 


Por José Sarney

As causas da raça negra e da cultura foram as duas maiores preocupações minhas em 12 anos de Câmara dos Deputados e 40 de Senado. Sou o Senador que mais tempo exerceu mandatos naquela Casa. E o político mais longevo da República, com mais de 60 anos de atividade e ainda presente — sem militância partidária, mas Presidente de Honra do MDB, partido a que sou filiado há 36 anos. Exerci por oito anos a Presidência do Senado Federal.

Sempre discordei da maneira como o problema da raça negra era tratado. Só existia o discurso político de retirá-la da situação de miséria e de segregação social. Minha visão, que nunca havia sido colocada na República — mas tinha origem em José Bonifácio e Joaquim Nabuco —, era de que somente com ascensão social, educação, participação em postos de direção ela sairia desse longo caminho de discriminação. Essa foi a solução adotada pelos Estados Unidos, que em parte deu certo, permanecendo, entretanto, o violento racismo.

É que o problema deles era muito mais grave do que o nosso, com as sequelas da guerra de secessão. Mas lá já chegou um negro à Presidência da República e agora uma mulher negra, Kamala Harris, à Vice-Presidência, como muitos chegaram a outros altos cargos da República e do poder econômico.

Quando era Presidente da República ocorreu o Centenário da Abolição. Em vez de comemorações políticas, criei a Fundação Palmares, com a finalidade de promover a ascensão social, a educação e as oportunidades de trabalho para os descendentes dos escravos. No Parlamento, como Senador, apresentei o projeto de lei de cotas raciais, que nunca tinham sido tratadas no Brasil e estabeleci que eram o caminho.

O Senador negro Paulo Paim pediu-me para absorver meu projeto no Estatuto da Igualdade Racial. Concordei, porque meu objetivo não era político, mas o de criar o debate sobre o problema e lançar a política de cotas para ajudar a resolver a questão. Meu projeto, no entanto, era bem mais amplo, incluindo os cursos de graduação, os cargos públicos e o financiamento dos estudos.

Orgulho-me de ter tido uma participação na defesa dessa maioria-minoria que continua a sofrer depois de quase quinhentos anos de presença no Brasil. Nosso débito com a raça negra é a maior dívida que temos em nossa História.

O Dia da Consciência Negra mostra que se mantém o caminho fracassado do passado. Pensa-se como sempre em dividendos políticos e nada de objetivo para fazer com que os negros tenham na sociedade o mesmo lugar dos brancos.

Outro débito que temos — e digo com a autoridade de quem é um lutador desta causa e detentor do Prêmio Zumbi, que me foi entregue pelo grande negro José Vicente, Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares — é com o Negro Cosme, da Balaiada, enforcado no Maranhão, que ficou no esquecimento e devia estar sendo reverenciado junto com Zumbi.

Ele deu o maior exemplo do que precisava a raça negra: criou uma escola no quilombo. Ele já sabia que só a educação liberta.